Século abençoado
Dissertações Espíritas
PLANO DE CAMPANHA – A ERA NOVA – CONSIDERAÇÕES SOBRE O SONAMBULISMO ESPONTÂNEO

(Paris, 10 de fevereiro de 1867 – Médium: Sr. T..., em sono espontâneo)

Nota – Nesta sessão, nenhuma pergunta prévia tinha provocado o assunto que foi tratado. Inicialmente o médium se havia ocupado de saúde; depois, pouco a pouco, viu-se conduzido às reflexões, cuja análise damos a seguir. Falou durante cerca de uma hora, sem interrupção.

Os progressos do Espiritismo causam aos seus inimigos um pavor que não podem dissimular. No começo brincaram com as mesas girantes, sem pensar que acariciavam uma criança que devia crescer; a criança cresceu... então eles pressentiram o seu futuro e disseram de si para si que em breve estariam com a razão... Mas, como se diz, a criança tinha sete fôlegos. Resistiu a todos os ataques, aos anátemas, às perseguições,mesmo às zombarias. Semelhante a certos grãos que o vento carrega, produziu inúmeros rebentos; para um que destruíam,brotavam cem outros.

Primeiro empregaram contra ele as armas de uma outra era, as que outrora eram bem-sucedidas contra as idéias novas, porque essas idéias não passavam de lampejos esparsos, que tinham dificuldade de vir à luz através da ignorância e porque ainda não haviam criado raízes nas massas... hoje é outra coisa, tudo mudou: os costumes, as idéias, o caráter, as crenças; a Humanidade não mais se inquieta com as ameaças que amedrontavam as crianças; o diabo, tão temido por nossos ancestrais, já não causa medo: riem dele.

Sim, as armas antigas se gastaram contra a couraça do progresso. É como se, em nossos dias, um exército quisesse atacar uma praça forte, guarnecida de canhões, com as flechas, os aríetes e as catapultas dos nossos antepassados.

Os inimigos do Espiritismo viram, pela experiência, a inutilidade das armas carcomidas do passado contra a idéia regeneradora; longe de o prejudicar, seus esforços só serviam para o propagar.

Para lutar vantajosamente contra as idéias do século,seria preciso estar à altura do século; às doutrinas progressistas seria necessário opor doutrinas ainda mais progressistas; mas o menos não pode sobrepujar o mais.

Não podendo, pois, triunfar pela violência, recorreram à astúcia, a arma dos que têm consciência de sua fraqueza... de lobos, fizeram-se cordeiros, para se introduzirem no aprisco e aí semearem a desordem, a divisão, a confusão. Porque conseguiram lançar a perturbação em algumas fileiras, cedo demais se julgaram senhores da praça. Nem por isto os adeptos isolados deixaram de continuar sua obra, e diariamente a idéia abre o seu caminho sem muito alarido... Eles é que fizeram barulho... Não a vedes penetrar em toda parte? nos jornais, nos livros, no teatro e mesmo no púlpito? Ela trabalha todas as consciências; arrasta os espíritos para novos horizontes; é encontrada em estado de intuição naqueles mesmos que dela não ouviram falar. Eis um fato que ninguém pode negar e que cada dia se torna mais evidente. Não é a prova de que a idéia é irresistível e que é um sinal dos tempos?

Aniquilá-lo, portanto, é uma coisa impossível, porque seria preciso aniquilá-lo não num ponto, mas no globo inteiro; e, depois, as idéias não são levadas nas asas dos ventos? e como atingi-las? Pode-se pegar fardos de mercadorias na alfândega; mas, idéias! elas são inatingíveis.

Que fazer, então? Tentar apoderar-se delas, para as acomodar à sua vontade... Pois bem! é o partido pelo qual se decidiram. Disseram a si mesmos: O Espiritismo é o precursor de uma revolução moral inevitável; antes que se realize completamente, tratemos de a desviar em nosso proveito; façamos de modo que aconteça com ela como com certas revoluções políticas; desnaturando o seu espírito, poder-se-ia imprimir-lhe outro curso.

Assim, o plano de campanha está mudado... Vereis se formarem reuniões espíritas, cujo objetivo confessado será a defesa da doutrina, e cujo objetivo secreto será a sua destruição; supostos médiuns que terão comunicações encomendadas, adequadas ao fim a que se propõem; publicações que, à sorrelfa do Espiritismo, se esforçarão para o demolir; doutrinas que lhe tomarão algumas
idéias, mas com o pensamento de o suplantar. Eis a luta, a verdadeira luta que ele terá de sustentar, e que será perseguida obstinadamente, mas da qual sairá vitorioso e mais forte.

Que podem os homens contra a vontade de Deus? É possível desconhecê-la diante do que se passa? Seu dedo não é visível nesse progresso que desafia todos os ataques? nesses fenômenos que surgem em toda parte como um protesto, como um desmentido dado a todas as negações?... A vida dos homens, a sorte da Humanidade, não está em suas mãos?... Cegos!... Eles não contam com a nova geração que se ergue e que diariamente suplanta a geração que se vai... Mais alguns anos e esta terá desaparecido, não deixando atrás de si senão a lembrança de suas tentativas insensatas, para deter o impulso do espírito humano que marcha, marcha a despeito de tudo... Eles não contam com os acontecimentos que vão apressar a eclosão do novo período humanitário... com os apoios que vão levantar-se em favor da nova doutrina e cuja voz poderosa imporá silêncio aos seus detratores em razão de sua autoridade.

Oh! como estará mudada a face do mundo para aqueles que virem o começo do próximo século!... Quantas ruínas verão em sua retaguarda, e que esplêndidos horizontes se abrirão à sua frente!... será como a aurora afastando as sombras da noite... Aos ruídos, aos tumultos, aos rugidos da tempestade sucederão cantos de alegria; depois das angústias, os homens renascerão para a esperança... Sim! o século vinte será um século abençoado, porque verá a era nova, anunciada pelo Cristo.

Nota – Aqui o médium pára, dominado por indizível emoção e como que esgotado de fadiga. Após alguns minutos de repouso, durante os quais parece voltar ao grau de sonambulismo ordinário, continua:

– Que vos dizia eu, então? – Faláveis do novo plano de campanha dos adversários do Espiritismo; depois considerastes a era nova. – É isso.

Enquanto esperam, disputam o terreno palmo a palmo. Renunciaram mais ou menos às armas de outros tempos, cuja ineficácia reconheceram; agora ensaiam as que são todo-poderosas neste século de egoísmo, de orgulho e de cupidez: o ouro, a sedução do amor-próprio. Junto aos que são inacessíveis ao medo, exploram a vaidade, as necessidades terrenas. Aquele que se obstinou contra a ameaça, às vezes dá ouvidos complacentes à lisonja, ao atrativo do bem-estar material... Prometem pão a quem não o tem, trabalho ao artesão, clientela ao negociante, promoção ao empregado, honras aos ambiciosos se renunciarem às suas crenças; ferem-nos em sua posição, em seus meios de subsistência, em suas afeições, se são indóceis; depois, a miragem do ouro produz sobre alguns seu efeito ordinário. Nesse número encontram-se, necessariamente, alguns caracteres fracos, que sucumbem à tentação. Há os que caem na armadilha de boa-fé, porque a mão que os dirige se esconde... Há, também, e muitos, que cedem à dura necessidade, mas que não pensam menos nisto; sua renúncia é apenas aparente; curvam-se, mas para se erguerem na primeira ocasião... Outros, os que têm em mais alto grau a verdadeira coragem da fé, afrontam o perigo resolutamente; esses vencem sempre, porque são sustentados pelos Espíritos bons... Alguns, oh!... mas estes jamais foram espíritas de coração... preferem o ouro da Terra ao ouro do céu; ficam, pela forma,ligados à doutrina e, sob esse manto, apenas servem melhor à causa de seus inimigos... É uma triste troca que fazem e que pagarão muito caro!

Nos tempos de cruéis provas que ides atravessar,ditosos aqueles sobre os quais se estender a proteção dos Espíritos bons, porque jamais esta foi tão necessária!... Orai pelos irmãos transviados, a fim de que aproveitem os breves instantes de mora que lhes são concedidos, antes que a justiça do Altíssimo se torne mais pesada sobre eles... Quando virem rebentar a tempestade, mais de um exclamará graça! Mas lhes será respondido: Que fizestes dos nossos ensinos? Vossos médiuns não escreveram centenas de vezes a vossa própria condenação?... Tivestes a luz, e não a aproveitastes; nós vós tínhamos dado um abrigo: por que o abandonastes? Sofrei, pois, a sorte daqueles que preferistes. Se vosso coração tivesse sido tocado por nossas palavras, teríeis ficado firmes no caminho do bem, que vos era traçado; se tivésseis tido fé,teríeis resistido as seduções armadas contra o vosso amor-próprio e a vossa vaidade. Então acreditastes no-las impor, como aos homens, por falsas aparências? Sabeis, se duvidastes, que não há um só movimento da alma que não tenha seu contragolpe no mundo dos Espíritos?

Credes que seja por nada que se desenvolve a faculdade da vidência em tão grande número de pessoas? que seja para oferecer um novo alimento à curiosidade que hoje tantos médiuns adormecem espontaneamente em sono de êxtase? Não; desiludivos. Esta faculdade, que há tanto tempo vos é anunciada, é um sinal característico dos tempos que são chegados; é um prelúdio da transformação, porque, como vos foi dito, deve ser um dos atributos da nova geração. Essa geração, mais depurada moralmente, sê-lo-á também fisicamente; a mediunidade sob todas as formas será mais ou menos geral, e a comunhão com os Espíritos um estado, a bem dizer, normal.

Deus envia a faculdade de vidência nesses momentos de crise e de transição, para dar aos seus fiéis servidores um meio de desmanchar a trama de seus inimigos, porque os maus pensamentos, que se julgam escondidos na sombra dos refolhos da consciência, se refletem nessas almas sensitivas, como num espelho, e se descobrem por si mesmos. Aquele que só emite bons pensamentos não teme que se os conheça. Feliz o que pode dizer: Lede em minha alma como num livro aberto.

Observação – O sonambulismo espontâneo, do qual já falamos, não é, com efeito, senão uma forma de mediunidade vidente, cujo desenvolvimento já era anunciado há algum tempo,assim como o aparecimento de novas aptidões mediúnicas. É notável que em todos os momentos de crise geral ou de perseguição, as pessoas dotadas desta faculdade são mais numerosas do que nos tempos normais. Houve-os muito no momento da Revolução; os calvinistas das Cevenas, perseguidos como animais selvagens, tinham numerosos videntes que os advertiam do que se passava ao longe; por este fato, e por ironia, foram classificados de iluminados; hoje, começa-se a compreender que a visão a distância, independente dos órgãos da visão, pode bem ser um dos atributos da natureza humana, e o Espiritismo o explica pela faculdade expansiva e pelas propriedades da alma. Os fatos deste gênero se multiplicaram de tal maneira que já não causam tanta admiração; o que outrora parecia a alguns milagre ou sortilégio, é hoje considerado como efeito natural. É uma das mil vias pelas quais penetra o Espiritismo, de sorte que, se se estanca uma fonte, ele surge por outros caminhos.

Assim, esta faculdade não é nova, mas tende a generalizar-se, sem dúvida pelo motivo indicado na comunicação acima, mas, também, como meio de provar aos incrédulos a existência do princípio espiritual. No dizer dos Espíritos, ela se tornaria mesmo epidêmica, o que naturalmente se explicaria pela transformação moral da Humanidade, transformação que deveria produzir no organismo modificações que facilitassem a expansão da alma.

Como outras faculdades mediúnicas, esta pode ser explorada pelo charlatanismo. Desse modo, é bom precaver-se contra a trapaça que, por um motivo qualquer, poderia tentar simulá-la, e assegurar-se, por todos os meios possíveis, da boa-fé dos que dizem possui-la. Além do desinteresse material e moral e da honorabilidade notória da pessoa, que são as primeiras garantias, convém observar com cuidado as condições e as circunstâncias nas quais se produz o fenômeno, e ver se nada oferecem de suspeito.

OS ESPIÕES

(Sociedade de Paris, 12 de julho de 1867
– Médium: Sr. Morin, em sono espontâneo)

Quando, em conseqüência de uma terrível convulsão humanitária, a sociedade inteira se movia lentamente, oprimida, esmagada, e ignorando a causa de sua opressão, alguns seres privilegiados, alguns velhos veteranos do bem, pondo à disposição de todos sua experiência da dificuldade de o reproduzir, e juntando a isto o respeito que devia provocar sua conduta e sua posição,resolveram procurar aprofundar as causas dessa crise geral, que fere
cada um em particular.

Começa a era nova e, com ela, o Espiritismo (esta palavra foi criada; não resta senão torná-la compreendida, e cada um aprender a sua significação). O tempo impassível marcha sempre, e o Espiritismo, que não é mais uma simples palavra, já não tem que se fazer compreender: é compreendido!... Mas, alguns veteranos espíritas, essas criaturas, esses missionários estão sempre à testa do movimento... Seu pequeno batalhão é muito fraco em número; mas, paciência!... pouco a pouco ganha aderentes, e logo será um exército: o exército dos veteranos do bem! Porque, em geral, em seu começo e em seus primeiros anos, o Espiritismo quase só tocou os corações já consumidos pelos conflitos da vida,os corações que sofreram e pagaram, os que traziam em germe os princípios do belo, do bem, do bom, do grande.

Descendo sucessivamente do velho à idade madura, da idade madura à idade viril e da idade viril à adolescência, o Espiritismo infiltrou-se em todas as idades, como em todos os corações, em todas as religiões, em todas as seitas, em toda parte! A assimilação foi lenta, mas segura!... E hoje não temais que caia essa bandeira espírita, sustentada desde o início por uma mão firme e segura; porque hoje, as jovens falanges dos batalhões espíritas não vociferam, como seus adversários: “Lugar aos jovens.” Não, eles não dizem: “Saí, velhos, para deixar subirem os jovens.” Eles não pedem senão um lugar no banquete da inteligência, senão o direito de se sentarem ao lado de seus antecessores, trazendo seu óbolo ao grande todo. Hoje, a juventude se viriliza; traz sua contribuição à idade madura, em troca da experiência desta última, em razão da grande lei de reciprocidade e das conseqüências do trabalho coletivo para a Ciência, a moralidade, o bem, porque, em última análise, se a Ciência progride, em benefício de quem progride? Não são os corpos humanos que aproveitam todas as elucidações, todos os problemas resolvidos, todas as invenções realizadas? e isto aproveita a todos, assim como se progredirdes em moralidade, isto aproveita a todos os Espíritos. Hoje, portanto, jovens e velhos são iguais ante o progresso e devem combater lado a lado por sua realização.

O batalhão tornou-se um exército, exército invulnerável, mas que deve combater não um, mas milhares de adversários coligados contra ele. Assim, jovens, trazei com confiança o entusiasmo de vossas convicções, e vós, velhos, vossa sabedoria, vosso conhecimento dos homens e das coisas, vossa experiência sem ilusões.

O exército está na frente de batalha. Vossos inimigos são numerosos, mas não estão em vossa frente, face a face, peito contra peito; estão em toda parte, ao vosso lado, na frente, atrás, no meio de vós, no próprio seio do vosso coração e, para os combater, não tendes senão vossa boa vontade, vossas consciências leais e vossas tendências ao bem. Desses exércitos coligados, um tem nome: o orgulho; os outros: ignorância, fanatismo, superstição,preguiça, vícios de toda natureza.

E vosso exército, que deve combater de frente, também deve saber lutar em particular, porque não sereis um contra um, mas um contra dez!... Bela vitória a conquistar!... Pois bem!... se combaterdes todos em massa, com a esperança de triunfar, inicialmente combatei contra vós mesmos, dominai as más tendências. Hipócritas, conquistai a sinceridade; preguiçosos, tornai-vos trabalhadores; orgulhosos, sede humildes, estendei a mão à lealdade vestida com uma blusa em farrapos, e todos, solidariamente, tomai e sustentai o compromisso de fazer a outrem o que gostaríeis que vos fosse feito. Assim, não gritemos: Lugar aos jovens, mas lugar a tudo o que belo, bom, a tudo o que tende a aproximar da Divindade.

Hoje, começa-se a tomar em consideração esse pobre Espiritismo, que diziam natimorto; nele vêem um inimigo sério. E por quê?... Não o temiam em seu começo: a criança era frágil; riamse de seus esforços impotentes. Mas hoje, que a criança tornou-se homem, temem-no, porque tem a força da idade viril. É que reuniu em torno de si homens de todas as idades, de todas as posições sociais, de todos os graus de inteligência, que compreendem que a sabedoria, a ciência adquirida podem tão bem residir no coração de um jovem de vinte anos quanto no cérebro de um homem de sessenta.

Hoje, portanto, esse pobre Espiritismo é temido; não ousam vir de frente, medir-se com ele; tomam os atalhos, o caminho dos covardes!... Não vêm dizer-lhe à luz do dia: Tu não existes; vêm em meio de seus partidários dizer como eles, fazer como eles, aplaudir a aprovar tudo quanto fazem, quando estão com eles, para os combater e os trair quando estão de costas. Sim, eis o que fazem hoje! No começo diziam de cara o que pensavam da criança mirrada, mas hoje não ousam mais, porque ela cresceu e, contudo, jamais mostrou os dentes.

Se me dizem para vos dizer isto, embora me seja sempre penoso, é que isto tinha a sua utilidade; nada, nem uma palavra, um gesto, uma inflexão de voz se efetuam sem que haja uma razão de ser e que não tragam seu contingente para o
equilíbrio geral. A administração dos correios lá do Alto é muito mais inteligente e mais completa que a da vossa Terra; toda palavra vai ao seu objetivo, ao seu endereço, sem sobrescrito, ao passo que entre vós a carta que não o traz não chega nunca.

Observação – Como se vê, a comunicação acima é uma aplicação do que foi dito na precedente, sobre o efeito da faculdade de vidência, e não é a única vez que nos foi dado constatar os serviços que essa faculdade é chamada a prestar. Não significa que seja preciso juntar uma fé cega a tudo quanto pode ser dito em casos semelhantes; haveria tanta imprudência em crer sem reservas no primeiro que aparecesse, quanto desprezar os avisos que podem ser dados por essa via. O grau de confiança que se pode a isso permitir depende das circunstâncias; essa faculdade precisa ser estudada; antes de tudo há que se agir com circunspeção e guardar-se de um julgamento precipitado.

Quanto ao fundo da comunicação, sua coincidência com a que foi dada cinco meses antes, por outro médium, e em outro meio, é um fato digno de nota, e sabemos que instruções análogas são dadas em diferentes centros. É, pois, prudente manter-se em reserva com as pessoas sobre cuja sinceridade não se tem certeza para se ficar edificado. Sem dúvida os espíritas só têm princípios altamente confessáveis; nada têm a ocultar; mas o que têm a temer é ver suas palavras desnaturadas e suas intenções mascaradas; são as armadilhas estendidas à sua boa-fé, por pessoas que defendem o falso para saber a verdade; que, sob as aparências de um zelo muito exagerado para ser sincero, tentam arrastar os grupos por um caminho comprometedor, seja para lhes suscitar embaraços, seja para lançar o descrédito sobre a Doutrina.

A RESPONSABILIDADE MORAL

(Sociedade de Paris, 9 de julho de 1867 – Médium: Sr. Nivard)

Assisto a todas as tuas conversas mentais, mas sem as dirigir; teus pensamentos são emitidos em minha presença, mas eu não os provoco. É o pressentimento dos casos, que têm alguma chance de se apresentar, que faz nascer em ti os pensamentos adequados à resolução das dificuldades que poderiam te suscitar. Aí está o livre-arbítrio; é o exercício do Espírito encarnado, tentando resolver problemas que suscita em si mesmo.

Com efeito, se os homens só tivessem as idéias que os Espíritos lhes inspiram, teriam pouca responsabilidade e pouco mérito; só teriam a responsabilidade de haver escutado maus conselhos, ou o mérito de ter seguido os bons. Ora, esta responsabilidade e este mérito evidentemente seriam menores do que se fossem o inteiro resultado do livre-arbítrio, isto é, de atos realizados na plenitude do exercício das faculdades do Espírito, que, neste caso, age sem qualquer solicitação.

Resulta do que digo que muitas vezes os homens têm pensamentos que lhes são essencialmente próprios, e que os cálculos a que se entregam, os raciocínios que fazem, as conclusões a que chegam são o resultado do exercício intelectual, do mesmo modo que o trabalho manual é o resultado do exercício corporal. Daí não se deveria concluir que o homem não fosse assistido em seus pensamentos e em seus atos pelos Espíritos que o cercam; muito ao contrário; os Espíritos, sejam benevolentes, sejam malévolos, muitas vezes são a causa provocadora dos vossos atos e pensamentos; mas ignorais completamente em que circunstâncias se produz essa influência, de sorte que, agindo, pensais fazê-lo em virtude de vosso próprio movimento: vosso livre-arbítrio fica intacto; não há diferença entre os atos que realizais sem serdes a eles impelidos, e os que realizais sob a influência dos Espíritos,senão no grau do mérito ou da responsabilidade.

Num e noutro caso, a responsabilidade e o mérito existem, mas, repito, não existem no mesmo grau. Creio que esse princípio que enuncio não precisa de demonstração; para o provar,bastar-me-á fazer uma comparação no que existe entre vós.

Se um homem cometeu um crime, e o fez seduzido pelos conselhos perigosos de outro homem que sobre ele exerce muita influência, a justiça humana saberá reconhecê-lo,concedendo-lhe o benefício das circunstâncias atenuantes; irá mais longe: punirá o homem cujos conselhos perniciosos provocaram o crime e, mesmo sem haver contribuído de outra maneira, este homem será mais severamente punido do que o que foi o instrumento, porque foi seu pensamento que concebeu o crime, e sua influência sobre um ser mais fraco que o fez executar. Pois bem! se assim fazem os homens, diminuindo a responsabilidade do criminoso e a partilhando com o infame que o impeliu a cometer o crime, como quereríeis que Deus, que é a justiça mesma, não fizesse o mesmo, já que vossa razão vos diz que é justo agir assim?

No que concerne ao mérito das boas ações, que eu disse ser menor se o homem tiver sido solicitado a praticá-las, é a contrapartida do que acabo de dizer a respeito da responsabilidade,e pode demonstrar-se invertendo a proposição.

Assim, pois, quando te acontece refletir e passar tuas idéias de um a outro assunto; quando discutes mentalmente sobre os fatos que prevês ou que já se realizaram; quando analisas,quando raciocinas e quando julgas, não crês que sejam Espíritos que te ditam teus pensamentos ou que te dirigem; eles lá estão,perto de ti, e te escutam; vêem com prazer esse exercício intelectual, ao qual te entregas; seu prazer é duplo, quando vêem que tuas conclusões são conforme à verdade.

Por vezes lhes acontece, evidentemente, que se misturem nesse exercício, quer para o facilitar, quer para dar ao Espírito alguns alimentos, ou lhe criar algumas dificuldades, a fim de tornar esta ginástica intelectual mais proveitosa a quem a pratica. Mas, em geral, o homem que busca, quando entregue às suas reflexões, quase sempre age só, sob o olhar vigilante de seu Espírito protetor, que intervém se o caso for bastante grave para tornar necessária a sua intervenção.

Teu pai, que vela por ti, e que está contente por te ver quase restabelecido. (O médium saía de uma grave moléstia).

Louis Nivard
R.E. , agosto de 1867, p. 339